O Chutando a Escada nasceu em maio de 2017, em um período conturbado da política mundial e da política brasileira. No mundo, vivíamos (e vivemos) o rescaldo da eleição de Donald Trump, do referendo do Brexit, e de movimentos ultranacionalistas e regimes autoritários se fortalecendo por todo o mundo: na Polônia ou na Hungria, na Turquia ou nas Filipinas. No Brasil, vivíamos o contexto do golpe parlamentar de 2016, da austeridade e de ataques a direitos constitucionais, um Judiciário ativista e um governo fraco, assolado por escândalos, e ilegítimo. Somos um podcast de política internacional, de divulgação de temas política internacional e de pesquisa acadêmica, mas nossos ouvintes sabem que nunca deixamos de falar de política brasileira, e sabem, sobretudo, que nunca deixamos de ter lado.
Não seria na atual conjuntura que deixaríamos de nos posicionar. Precisamos, antes de tudo, enfatizar que não existe neutralidade neste processo. Toda posição, mesmo que de abstenção, é uma posição política. Quando você não escolhe um lado, está implicitamente concordando com a situação vigente. Não votar é uma posição conservadora, que não acha necessário que haja mudança. É uma posição legítima, apenas tenha ciência de seu conservadorismo. No atual contexto, não votar em Fernando Haddad é dar seu voto a Jair Bolsonaro.
O resultado das urnas no primeiro turno da eleição de 2018 mostrou um grande movimento da sociedade brasileira; uma onda, parte conservadora, parte reacionária. Pela primeira vez desde o fim da ditadura militar, temos políticos e movimentos de extrema-direita no Brasil sem vergonha de admitirem-se como tal, sem meias palavras. A votação expressiva de Jair Bolsonaro é só o ápice desse movimento que se espalhou pela Câmara de Deputados, pelo Senado, e pelos governos e legislaturas estaduais. Houve exceções, derrotas de antigos coronéis e vitórias de candidatos e movimentos progressistas, e de poucas, ainda muito poucas mulheres, mas a direção dessa grande narrativa é inegável. O Congresso de 2014, que já era o mais conservador da história do Brasil, será substituído por um conjunto novo de deputados e senadores ainda mais conservadores.
A candidatura de Jair Bolsonaro é o símbolo máximo desse movimento. Teríamos motivos objetivos suficientes para fazer oposição ao candidato do PSL. Jair Bolsonaro é um político profissional, sua candidatura não representa mudança. Bolsonaro é deputado federal há quase 30 anos, sem nenhum projeto de lei relevante em todo esse tempo. Parte do baixo clero esse tempo todo, já participou de todo tipo de negociata parlamentar. Transformou os quatro filhos em políticos.
Além de não ter experiência mínima de gestão pública, seu programa de governo é raso e mal formulado. O candidato não tem ideias próprias sobre a economia, saúde ou educação no Brasil. Seus assessores, a quem por vezes delega autoridade e por vezes a retira, são metralhadoras de factoides: a volta da CPMF, o fim do 13o. salário, privatizações que gerariam um trilhão de reais, e outros absurdos. Jair Bolsonaro diz que reformará a previdência, sem dizer como. Sua proposta para a educação envolve a criação de um colégio militar em cada estado, ideia quase infantil em face do tamanho do problema da educação no país. E na área de segurança, bem, não há proposta crível para a área de segurança. Não há estudo sério em parte alguma do mundo que mostre que redução de maioridade penal ou liberalização do comércio ou porte de armas gerem mais segurança. O Brasil já tem a terceira maior população carcerária do mundo e continuamos um país violento. Estudos internacionais mostram que mais armas na mão da população não melhoram índices de segurança; o efeito é exatamente o contrário: quanto mais armas, mais mortes de cidadãos inocentes.
Mas por incrível que pareça, esses nem são os motivos mais importantes para fazermos oposição a candidatura de Jair Bolsonaro. Não podemos apoiar uma candidatura, ou qualquer ser humano, que faça apologia a tortura e exalte a memória de torturadores. Tortura é crime, não deveria haver discussão sobre isso. Não podemos compactuar com uma candidatura que é machista, sexista e misógina, que ofende mulheres e seus direitos, tanto na vida pública quanto privada, como as várias ameaças documentadas contra sua ex-mulher comprovam. Não podemos nos calar frente a um candidato que ofende negros, agride a comunidade LGBT, um candidato que faz apologia ao estupro, que afirma que minorias devem “se curvar às maiorias” ou serão esmagadas, um candidato que quer “pôr um ponto final em todo ativismo no Brasil”. Jair Bolsonaro chegou até aqui sem enfrentar perguntas difíceis, sem mostrar conteúdo algum. Pautou sua campanha na desinformação, no ódio e, na frustração de grande parte da população com a política nacional. Mas basta! As ideias de Jair Bolsonaro precisam passar pelo escrutínio público.
O Partido dos Trabalhadores cometeu muitos erros nos últimos anos, isso é inegável. É certo que o Partido se acostumou ao poder e se afastou dos movimentos sociais. Entretanto, não se encontra ódio ou violência na lista de erros cometidos pelo PT. Também não se encontra desrespeito pelas instituições democráticas. Entendemos ser incorreto comparar Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, como se fossem dois pólos distintos de uma mesma coisa, dois extremos opostos. Existe um oceano de distância entre as duas candidaturas.
Haddad acredita na inocência do Lula e questiona a parcialidade da Justiça que o condenou, mas isso certamente não o torna um radical. O Brasil teve quatro governos seguidos do PT. Nestes anos todos, nunca houve atentados às instituições democráticas. Quem promete ampliar o número de Ministros do Supremo Tribunal Federal é Jair Bolsonaro, não Fernando Haddad. Quem questiona a legitimidade das urnas e de nosso processo democrático é o próprio Bolsonaro, não Haddad.
Fernando Haddad é formado em Direito, tem mestrado em Economia e doutorado em Filosofia. É professor do Departamento de Ciência Política da USP, e entre vários outros cargos públicos, foi Ministro da Educação e prefeito da cidade de São Paulo. Foi o único prefeito que combateu a máfia do ISS, pagando com dinheiro do próprio bolso o início da investigação e criou a Controladoria Geral do Município. Seu plano diretor da cidade de São Paulo foi premiado pela ONU: já no segundo ano de mandato, Fernando Haddad implantou todos os corredores de ônibus que prometeu. Enfrentou o problema das drogas no centro de São Paulo com um programa de redução de danos, a Operação Braços Abertos. Criou as secretarias de Direitos Humanos, da Igualdade Racial e de Política para as Mulheres, e discutiu publicamente o Plano de Metas e o planejamento financeiro no no Conselho da Cidade de São Paulo.
Julgamos ser necessário uma alternativa democrática à onda de conservadorismo e autoritarismo que vivemos. Apenas a candidatura de Fernando Haddad apresenta tal possibilidade no segundo turno. Para isso, é fundamental deslocar o debate da questão dos costumes e da moralidade que favorecem o discurso reacionário. Precisamos discutir ideias, precisamos trazer conteúdo para um debate ainda marcado por generalidades e estereótipos. Segundo o próprio Haddad, “essa é uma eleição incomum, muito diferente de todas as que participamos. Vamos enfrentar esse debate no campo democrático com uma única arma: o argumento”.
Não aceitamos a ideia de que jogo está perdido. Zeramos o placar e começamos uma nova partida. Parte da população votou baseada em mentiras e desinformação. A partir de agora, apresentamos a candidatura de Fernando Haddad pelo que ela é, e enfatizamos seu compromisso com o estado democrático de direito, com as minorias, e com a parcela mais vulnerável da população. Haddad tem um projeto para o país. Vamos apoiar este projeto democrático com todas as nossas forças, porque ele é o único que nos resta.
Nossa, quase chorei quando ouvi isso.
Pode chorar, Maurício! Mas depois levanta a cabeça e vamos à luta!
Tu não acredita o quanto que eu estou tendo que aguentar para tentar convencer um pessoal. xD
Que editorial maravilhoso!!! Obrigada.